Words Challenge 2020 - 2012: Fim do Mundo

Hey cupcakes! Como vocês já sabem, eu e a Alê do blog Estante da Alê anualmente preparamos com muito carinho um desafio de palavras durante o ano todo, onde podemos nos desafiar e trazer um texto diferenciado no conteúdo dos nossos blogs. 

O ano escolhido foi 2012 com o fim do mundo. Sinceramente, eu tava tão inspirada que eu simplesmente fiquei ouvindo o Matteo sussurrar no meu ouvido e me deixei levar. Continue lendo para conferir e não deixe de conferir também no Estante da Alê! 😍

Desafio Setembro/2020

Palavras: unguento, retorcer, revirar, túmulo, sopro, beijo

Não seria a primeira vez que eu passaria por isso. Há 12 anos eu passei pela mesma coisa, e hoje, aos 35, já me sinto calejado. Coloquei o broche dourado que tem meu nome no lugar e o vi brilhar: Capitão Matteo. O voo do dia 21 de dezembro de 2012 estaria para sempre marcado na minha memória: o único voo do dia com destino à São Paulo, um lugar que eu queria muito me afastar. Também conhecido como o dia que acabaria o mundo, segundo os maias... Mas já estávamos próximos da meia-noite e a cidade começava a despontar e não existia nenhum míssil ou bomba ou sinal que o mundo pudesse ter um fim.

Era tudo que eu precisaria naquele momento.

Mas apenas vi luzes e mais luzes, querendo muito lembrar Nova York, o lugar que foi meu destino tantas vezes no último ano - claro que a desculpa que eu tinha era meu inglês perfeito e  minha vontade de fazer voos internacionais, demorados e cansativos, mas que, ao menos, me mantinham ocupado o suficiente para não ficar pensando em chocolate líquido e quente, que tentava roubar a atenção na minha mente cada duro minuto do dia.

Claro que eu jamais derrubaria uma tripulação inteira pela vontade minúscula de voltar à terra da garoa. E claro que não foi isso que eu fiz, realizando o pouso com cuidado, sentindo um frio na barriga longe do tradicional, mais intenso a cada momento que eu me aproximava da pista de pouso. Pousei o avião com o maior cuidado possível, mas gostaria muito de poder decolá-lo novamente logo em seguida.

Ouvi a balbúrdia dos passageiros e meu copiloto apertou minha mão, visivelmente feliz pelo nosso voo curto.  Fazia tanto tempo que eu não voltava à São Paulo, que é claro, uma chuva fraca se iniciava lá fora. Sorri fraco e sem mostrar os dentes, mas foi o suficiente para meu novo colega de trabalho, que se levantou da cabine para pegar suas coisas.

Demorei um segundo a mais de olhos fechados e penteei com os dedos meus cabelos claros que começavam a ter pequenos fios grisalhos. Eu sempre me senti jovem e interessante para as mulheres, a aparência de um homem maduro, inteligente e sexy, postando fotos ocasionais nas redes sociais, encerando meu Audi novo ou sem camisa à beira da praia... Mas naquele exato instante, eu me sentia apenas velho. Parecia ser tarde demais para viver a única coisa que eu mais cobiçava naquele momento.

Ela me prometera que estaria ali há muito tempo. Ela me prometeu em meio à risadas, fazendo um unguento para meus dedos queimados na panela, quando eu inventei de fazer o seu prato favorito para agradá-la. Mas eu sei muito bem que há um ano ela estava noiva e hoje, provavelmente é o seu casamento.

Afastei o pensamento e abri a porta para continuar ajudar a minha tripulação, com a boca parecendo um túmulo, de tão vedada. Ao menos isso eu não poderia errar de novo.

***

Voltar ao Aeroporto Internacional de Guarulhos parece como uma velha casa: os velhos sentimentos estão lá, mesmo que você achasse que não os sentisse mais. Assim que ponho os pés no pátio de embarque, uma senhora gorducha com um rádio comunicador agarra meu pescoço e posso me sentir revirar os olhos com a familiaridade.

- O Bom Filho à casa torna, Matteo!!! - Ela me encheu de beijos e apertou minhas costelas.

- Você está mais forte! Seus braços estão enormes e ei, isso são gomos na sua barriga? E essa camisa apertada? Menino, seu bumbum cresceu?

Solto uma risada porque Estela é natural e sincera, exatamente como eu me lembrava dela. Discretamente olho para o relógio. Duas e trinta e cinco da manhã. Olho para o portão 13, mas não há ninguém ali. Me sinto absolutamente ridículo, esperando por alguém que eu sei que não virá.

 - Eu estou bem, Estela. - Sorriso de lado. Seguro para não demonstrar toda decepção que estou sentindo por dentro. - Eu só... Estou um pouco cansado.  - Mentira. O horário me alertava para o sono que queria se aproximar, mas uma chama de esperança fraca ainda estava acesa no meu estômago. Me deixando bem acordado.

- Faz tempo que eu não voltava aqui... Vejo que muita coisa mudou.

- Sim, menino. - Ela me entregou um pacote de papel e pude sentir o cheiro de brownie, pão de queijo e um queijo quente tostado, no ponto que eu mais gosto. - Algumas coisas nunca irão mudar. Deixei isso aqui para você, eu sabia que você estaria aqui.

Agradeci e lhe dei outro abraço antes de sentar na mesinha do café que estava fechado. Neste horário, poucas coisas abriam. Me senti muito entretido, separando o pão de queijo, o queijo e o brownie, com pedaços de chocolate meio amargo, do jeito que eu mais gostava... Chocolate.

Senti um calafrio só de pensar na palavra e deixei o bolo para o final. Enquanto saboreava o queijo quente, que derretia e preenchia minha boca, senti um sopro atrás de mim, mas não dei muita importância. Às vezes nosso corpo e nossa mente gostavam de nos pregar peças, mas eu já estava calejado delas. Só que algumas sensações são únicas e reais demais para serem apenas ilusão.

- Matteo?

Senti meu estômago retorcer. O mundo poderia acabar ali e não ter mais volta que todos os voos e esforços teriam valido a pena só de escutar aquela voz. Soltei o restante do queijo quente e me preenchi dos olhos mais castanhos que eu já tinha visto em toda vida.

- Você... Você veio.

- Eu não poderia deixar de vir, não é mesmo? Nosso portão 13. - Me levantei e finalmente reparei, que eu estava muito grande e ela, mesmo com seus trinta anos, pelas minhas contas, parecia muito pequena e delicada. Mais madura do que quando a vi pela última vez. Dolorosamente mais bonita, se isso fosse possível. Cabelos cor de chocolate, a boca com o batom cor de goiaba que eu tanto gostava e o vestido florido que eu dei para ela quando saímos pela primeira vez. Ah, e aquele cheiro... - Você é todo meu passado e eu... Tinha esperança de poder continuar nosso futuro...

Senti meu corpo inteiro palpitar na sensação mais familiar que eu já havia sentido em toda minha vida. Não deixei-a terminar sequer a última frase e selei nossas bocas para nunca mais deixá-la partir outra vez.