Continue lendo para conferir!
Põe pra tocar: Who do you love? - Marc Lane
Foi a primeira coisa que pensei enquanto chegava encharcada na casa do meu irmão, com o melhor amigo dele segurando uma caixa enrolada em muitos plásticos para proteger da chuva. Que ideia boba a minha de me mudar! Mas que ideia de ser despejada com a data limite para deixar o prédio hoje. Deveria ter feito isso antes.
Como a chuva não parecia que iria passar logo e Túlio estava muito mais molhado do que eu porque recusou o meu guarda chuva (por que homem é tão teimoso?), peguei algumas camisas do meu irmão, me aproveitando da sua ausência da cidade à trabalho. Eu imaginei que, quando ele estivesse em condições, surtaria pela camiseta amassada, mas o que eu poderia fazer? A saúde do Túlio era minha prioridade no momento. Além disso, imaginei que não seria problema se eu lavasse e deixasse exatamente do jeito que Dedé sempre deixou na gaveta antes do seu retorno. Ele nem iria notar.
Túlio tomou banho e colocou a camiseta preta que eu separei achando que seria o seu número junto com a calça de moletom. Só que eu estava tão, tão errada... Ambas as roupas se ajustaram - com o perdão da palavra - perfeitamente ao seu corpo. A coxa. O peito. Os braços delineados. No meu irmão ficavam largas, mas nele... Só destacava aquilo que ele gostava de cuidar: seu corpo. Academia. Muay Thai. Natação... Não que eu estivesse reclamando, de maneira alguma. Depois do banho quente, ele parecia bem. Juro que estava.
Sem mais trocadilhos.
E com roupas normais, que não fossem as camisas e calças sociais, Túlio parecia outra vez mais gente como a gente, sem aquela áurea séria e inalcançável que ele vestia no mundo dos negócios. O semblante mais tranquilo que eu já vira desde os seus dezoito anos.
Saà por alguns minutos para a minha higiene, afinal eu também tinha tomado a chuva gelada.
Quando voltei, ele estava deitado com os olhos fechados, coberta e as bochechas muito coradas.
E foi aà que eu percebi que algo tinha dado errado entre tomar aquela chuva gelada e me ajudar com a mudança repentina. E também foi aà que eu comecei a me desesperar. Respirei fundo, mas olhar para aquele homem deitado no meu sofá com o rosto febril me causava certo aperto no peito. Bem parecido com aqueles que eu sentia aos dezesseis anos quando ele sorria pra mim e bagunçava meu cabelo no corredor do colégio.
E perdi as contas de quantas vezes meu irmão e eu estávamos lá para ajudar em qualquer coisa que ele precisasse. Por isso ele sempre era tão solÃcito conosco. Mas só isso.
Afastei os pensamentos como se fossem uma mosca insistente e me concentrei em pegar uma toalha e molhar na torneira, dobrando e colocando em sua testa. Com as costas da mão, senti a temperatura de sua bochecha, áspera na barba e macia na pele. Ele estava quente, mas de olhos fechados, eu podia observá-lo sem medo de que ele me pegasse no meio da análise que eu fazia do seu rosto. O tamanho dos cÃlios. O formato dos olhos e a curva da boca.
O velho apelido no diminutivo. Por que ele tinha que fazer isso com a minha cabeça?
Ele me encarou com a sobrancelha arqueada. Mesmo doente aquele homem conseguia ficar carrancudo e charmoso ao mesmo tempo.
— Você não precisa se preocupar, Girassol. - O velho apelido para o dia que eu me perdi no campo de girassóis, onde ele me encontrou, quando ainda éramos crianças. Horas depois, eu fiquei toda vermelha e descobri que era alérgica. Ele riu de mim enquanto me dava toalhas molhadas e um gel refrescante para aliviar a coceira, ajudando minha mãe que fazia um preparado para o meu banho.
— Claro que sim! - Revirei os olhos com a ideia - Afinal, você só teve que fazer a sua corrida heroica na chuva por causa do tombo que levei e ainda ficou me ajudando na mudança, porque meu irmão pediu.
Ele só veio porque Dedé pediu, eu tenho consciência disso. Foi só por isso que ele veio.
— Não tem problema, você sabe que é só chamar que eu venho. Além disso, você tem as suas coisas pra fazer... - Ele tentou se levantar, mas coloquei a mão em seu peito por cima da camiseta, que já estava quente outra vez.
Ele observou minha mão pousada no seu peito por dois segundos a mais que o necessário e voltou a me encarar, atrás dos olhos pesados.
— Tenho mesmo. - Pousei os lábios em sua testa que agora estava fresca, mas eu podia sentir a quentura de toda a sua pele. Ele estremeceu com o toque. - A febre está baixando, mas vamos esperar mais um pouquinho. Vou trazer um copo de água pra você e um antitérmico.
Enquanto eu me levantei, ouvi ele falar consigo:
— Jeito estranho de medir a temperatura. E muito bom.
Fingi não escutar. Deus, o que eu fiz? Beijando a testa dele para sentir a pele...
Mesmo com o dia cheio, separou um tempo na agenda para ir atrás da irmã do amigo que tinha sido despejada e teve que se mudar às pressas. Para fechar com chave de ouro e laço vermelho, ele estava febril. Doente. EU o deixei doente.
— Lissa? Você está aÃ? - Ele falou, ainda com os olhos fechados e a voz rouca. — Você está demorando. Volta logo.
E você delirando.
— Sim, estou aqui, Túlio. - Me abaixei ao seu lado e ele abriu os olhos me observando, com um meio sorriso. Coloquei a mão em sua nuca, para ajudar ele e a se levantar para beber a água do remédio. - Tome tudo, cuidado, não pode engasgar.
Ele sorriu e tomou o comprimido e a água, sem desviar o olhar. Ele estava delirando, só podia ser. Engoli em seco.
— Você está bem? - Ele embolou a coberta em cima do peito e tocou minha bochecha quente, atento. Ele estava me encarando, mesmo que eu tivesse trocado o lado da toalha úmida - Está vermelha. Você também está com febre?
Neguei e desviei o olhar intenso que ele me dirigia. Eu sabia exatamente porque estava quente, vermelha e corada. Não era pela chuva.
— Eu estou bem, Túlio.
Antes que eu pudesse voltar pra cozinha, ele segurou meu pulso suavemente, ainda me encarando. Sustentando meu olhar, lambeu os lábios, num gesto involuntário.
— Girassol... Obrigado.
Sorri, tÃmida, suspirando sem fazer qualquer barulho.
— Por te deixar doente? Juro que não era minha intenção. - Arqueei a sobrancelha.
Ele deslizou os dedos por minha bochecha, enquanto os outros circulavam meu pulso.
— Por cuidar de mim agora. Dona Joana ficaria muito agradecida por ter cuidado com o menininho mimado dela. - O comentário sobre sua mãe me trouxe um sorriso involuntário e lágrimas aos olhos. - Não chore, por favor, Sol. Você sabe que ela está no campo de morangos colhendo todos pra você.
Assinto e desvio o olhar.
— Você sabe o que ela está dizendo?
Seus olhos me encararam, brilhantes e ligeiramente turvos e neguei suavemente.
— Ela está dizendo que eu demorei demais pra fazer isso.
Antes que eu tivesse tempo de pensar, Túlio aproximou seu rosto e roçou a barba na minha bochecha, me fazendo cócegas. Eu ri e vi ele dedilhando meu rosto no ponto exato da minha covinha. Quando eu fiquei imersa em seu olhar outra vez, ele me encarou com um meio sorriso:
— Te agradecer.
Ele passou a barba novamente me fazendo rir, agora em meu pescoço e depositou os lábios na minha covinha, com um movimento rápido eu me mexi com as cócegas e ele beijou o canto da minha boca. A respiração quente dele perto de mim. A intensidade do seu olhar que desviava dos meus olhos para os lábios e então contornando o meu rosto, como se estivesse vendo algo pela primeira vez...
Três batidas ritmadas na porta.
Nos assustamos e afastamos antes que meu irmão pudesse nos ver tão próximos.
— CHEGUEI MAIS CEDO, IRMÃZINHA!
0 Comentários